À beira daquele lago, no entorno daquelas árvores, misturada àquela ventania suave, havia uma pequena casa de paredes azuis, claras e sólidas, espessas. Uma varanda acolhia uma rede amarela e pequenos vasos com cactos e begônias. Cortinas esvoaçantes pareciam dançar conforme a melodia que o vento trazia. E eram de um branco puro, da mesma tonalidade do grande tapete felpudo estendido no meio da sala. Os sofás, dois em sua totalidade, estampavam pequenas e discretas margaridas. Apenas um quarto, com uma cama confortavelmente espaçosa e convidativa. Com lençóis e travesseiros cheirando sutilmente a erva doce. Na cozinha, uma mesa pequena, com quatro lugares que talvez nunca tivessem sido ocupados, mas que sempre estavam prontos a receber a presença de alguém. Ao menos de mais uma pessoa.
Aquela casa tinha uma leveza melancólica e era sonante. Uma música inebriante sempre invadia cada cômodo com a propriedade de conhecer cada espaço, cada fresta.
Não havia vizinhos, embora pudesse ver uma ou outra pessoa caminhar bem próximo ao lago, consequentemente nas redondezas da casa. Mas na maior parte do tempo só se viam apenas pássaros, borboletas, flores, árvores, o lago e a terra firme. E apenas uma pessoa. Beatriz era o seu nome.
Era uma jovem de pouco mais de trinta anos, morena clara, de cabelos curtos, nem tão lisos, nem tão ondulados, abaixo do queixo, com uma franja mediana, caída lateralmente em seu rosto de maças rosadas, lábios úmidos e olhos castanhos médios, com cílios longos a realçar o brilho que por vezes se explicitava.
Nunca fora vista acompanhada, mas sempre deixou dúvidas se realmente morava só naquele lugar e se recebia ou não algum convidado, ou convidada, ou mais de um, ou mais de uma.
Podia-se ver a mesa posta com capricho. Pela manhã, no meio da tarde e à noite. Frutas, bolos, chás, café, sucos, queijos, leite, geléias, torradas, bolachas. E louças e talheres aos pares, o que conotava que recebia alguém. Ao menos uma pessoa. Era o que podia ser visto ao olhar através das suas janelas ou da porta vez ou outra deixada aberta.
A verdade era que Beatriz não estava só. E estava na companhia daquele que lhe fazia amanhecer mais bonita a cada manhã. Tom era o seu nome. E era para ele cada carinho que imprimia nas refeições que preparava e na arrumação de cada cômodo da casa. Ela adorava cozinhar para ele e ver sua expressão de prazer ao degustar cada porção do que havia preparado. Ele sorria ao beber e comer, como se aquilo lhe fosse acarinhando por dentro, à medida que ia sendo ingerido. E era para ela um contentamento impagável observá-lo. Às vezes, ela mal comia ou bebia, para não desviar os olhos dele. Não queria perder um instante sequer daquele momento.
Ao entardecer costumavam encontrar o abraço um do outro sob o tapete da sala, abaixo das cobertas, com os corações batendo próximos um do outro e os arrepios de um encaixando nos arrepios do outro. Amavam-se ali, com o tempo pausado, os sentidos aguçados, a paixão enaltecida. Desnudavam-se de qualquer intervenção alheia, ainda que fosse o canto dos pássaros. O único som era o de suas respirações ofegantes, o único cheiro era de suas intimidades, o único sabor era a mistura de um e do outro.
Ela conhecia cada parte dele como se fossem partes de si mesma. Ele sempre estivera ali, ainda que nunca tenha sido visto pelos que eram atraídos pela beleza daquele lugar que Tom e Beatriz tinham como seu.
Ela nunca estivera sem ele. Desde que o encontrou pela primeira vez, nunca mais o deixou partir.
Vestia-se para ele com a mesma desenvoltura e afinco com que se despia. Ele conhecia seus segredos, desvendava seu silêncio, decifrava seus olhares. Eles falavam o que o outro queria ouvir antes que desejassem. E tocavam-se exatamente onde queriam e como queriam.
O tocar de seus lábios era preciso. Intenso, ousado, mais íntimo que qualquer outro toque. Pareciam morrer e nascer várias vezes nos beijos um do outro. E parecia impossível desviarem-se dali, pois era naquele instante que a felicidade se mostrava palpável, ao menos pra eles, ao menos pra ela.
Talvez não fosse real. Talvez fosse insano viver algo que não vive. Talvez Beatriz estivesse a amar-se só. Talvez não. Entre o sim e o não havia tanto sentir. Quem lhe tomaria aqueles dias deles, que ela tão certa os tinha seus?
Tom era dela. Dos olhares dela. E era lindo pra ela. De uma beleza que jamais viu igual. Isso bastava-lhe. De fato não desejava que outros olhares pousassem nele. E o descobrissem tal qual o via. Perfeito. Maravilhoso. Improvável.
Sim, improvável que ele fosse real. Mas, como pra ela a realidade era sempre fruto da sua imaginação e esta se deixava ir conforme seus desejos a guiavam, aquilo que tocava era aquilo que podia ser tocado porque era de verdade.
E a verdade era que eles sempre estiveram ali, sob os olhares dela. Apenas sob os dela...
Lai Paiva