Amanhecera lentamente naquele dia que parecia mais um. Joana havia saído cedo para trabalhar, como de costume. Trajava um vestido longo de uma malha fria e suave a roçar delicadamente suas formas, como se lhe acarinhasse, e sandálias que deixavam nus os seus dedos e as unhas por fazer. As horas desfilavam seus instantes rotineiros fielmente. Nada novo, de novo.
A noite aproximou-se timidamente e quente. A lua cheia mais parecia o sol a emanar calor com afinco. A única coisa que ela ansiava era um banho frio para deixar mais branda aquela temperatura que lhe vestia o corpo inteiro como se fosse uma sobreposição ao vestido trajado, formada de camadas espessas de tecido. Sim, rendeu-se a um banho nada breve e totalmente intimista.
Momentos depois, já envolvida em toalha felpuda, branca e acolhedora, ouve seu telefone celular tocar. Estava tão relaxada que pareceu ouvir sua canção preferida ao invés daquele toque. Passava das vinte e uma horas. Deitou-se em sua cama e atendeu. Do outro lado aquele que parecia recitar os mais belos versos ao falar. De voz incomparável e sedutora. De ternura diluída em cada palavra pronunciada. Era como se ouvisse sussurros. Os mais apreciáveis.
Nando era seu nome.
Conversaram durante uma hora. Eram maravilhosamente redundantes. Repetiam os mesmos discursos enamorados. Da alegria de se conhecer, do carinho sendo nutrido, das expectativas juvenis que criaram em torno de ambos. Havia um misto de urgência em se encontrarem e receio em não corresponderem ao que esperavam um do outro e daquele que seria verdadeiramente um encontro, pois os outros dois momentos em que seus olhares estiveram um frente ao outro foram tão inesperados e despreparados, que mal souberem como conduzir e acabaram por não fazê-lo.
Escreveram-se linhas transbordantes. Carinho, ternura, cuidado, respeito, desejo. Tudo perfeitamente descrito como se fossem poetas concebendo os mais belos versos. E falavam de tudo que já havia sido escrito, como se fosse algo novo, recém sentido e explanado. Mas ainda assim, tanto ele quanto ela, recebia tudo como se fosse um novo discurso. Ouvir um ao outro era de um contentamento gritante.
A conversa ia desenhando os momentos seguintes. Joana rendeu-se ao desejo de vê-lo, ainda que estivesse exausta. Nando a motivava de uma maneira inexplicável. Antes que ele a convidasse à um encontro ela já o esperava.
Ele deu-lhe quinze minutos e logo estaria lá para buscá-la pra si. Ela sentia: seria dele. Ele supôs: ele seria dela.
Livrou-se da toalha, vestiu outro longo vestido florido, bem colorido, exatamente das cores que havia de ter sua alma agora, tamanha era sua euforia. Perfumou-se, maquiou-se. Ela queria presentear os olhares dele. Ele merecia no mínimo isto.
Quinze minutos e ele chegou.
Nando estava despretensiosamente lindo. Tinha um cheiro de bons momentos e olhos de querer bem.
Joana apaixonou-se mais uma vez por ele bem ali. No meio da rua. Na mínima duração daquele instante inicial do encontro deles.
Entraram em seu carro e seguiram. Não sabiam exatamente aonde ir, mas era certo que tinha o desejo comum de ir a algum lugar onde coubesse todo aquele bem que sentiam ao estarem juntos. Ao primeiro semáforo fechado, olharam-se como se estivessem se descobrindo e seus lábios se uniram silenciosamente, levando um para conhecer o interior do outro, como se isso fosse possível naquele momento.
Foi o primeiro beijo. Perfeito. A boca de um tão bem encaixada na boca do outro, surtindo um efeito tão inebriante. Misturando aquela porção imensurável de sensações que sentiam juntos.
Uniram também suas mãos, como se estivessem protegendo aquela alegria que sentiam, para que não se desprendesse dali.
Chegaram por fim ao apartamento de Nando. Ela transpirava carinho por ele. Ele portava certa insegurança minimizada pela certeza de que a queria.
O cheiro do mar adentrou a sala e enfeitou aquelas horas como se bem soubesse que eles o queriam lá.
Aquela ventania levou o nervosismo de outrora, os pudores dispensáveis, os móveis, tudo. Restaram apenas os dois e aquele sentir exacerbado e incontrolável.
De fato não se contiveram. Ele a levou em seus braços de abraços acolhedores para seu quarto, para a cama onde dizia imaginá-la lá por diversas vezes, como num sonho, e despiu-lhe como se folheasse um livro. Delicadamente para não amassar.
Beijaram-se com uma urgência sedutora. Sucumbiram ao desejo como se estivessem de mãos atadas, inteiramente vencíveis. E foi maravilhoso. Além do que já supunham.
Disseram as palavras exatas para cada instante daquelas horas. Tocaram-se exatamente onde ambos queriam ser tocados, com a propriedade de quem conhece bem cada movimento, cada suspiro, cada sensação do outro. Como se já fossem seus há tempos.
Joana entregou-se de olhos vendados pelo prazer que Nando a fazia sentir. Ele, por sua vez, dizia-lhe através daqueles olhares tão íntimos o quão feliz estava por sentir-se dela.
Sim, eles eram um do outro e aquele desejo de sê-los desatava qualquer amarra que pudesse existir antes de se tocarem.
A paixão estava infiltrada embaixo da pele deles, ardia e umedecia insistentemente. Não havia como resistir, como não render-se. Eles eram, na verdade, mais daquela paixão que deles mesmos.
A noite seguia inversamente proporcional ao ritmo daquele desejo. Muitas horas lhes restavam sob os olhares aprovadores da lua cheia. E eles permaneceram juntos naquele movimento de se sentir. Um visitando a intimidade do outro e deixando lá um pouco de si para quando retornassem, estando presentes mesmo quando não mais estivessem. Embora já soubessem que dali em diante restaria sempre um pouco de cada dentro dos dois.
Nando a ganhara. E ela a ele. E o acaso a ambos. Não importava nada mais que aquele momento e todos os outros que queriam e sabiam que teriam ainda. Viver era o que ansiavam agora. A vida havia mudado de sabor. E agora tinha o sabor de ambos e do novo sentido que davam à paixão cada vez que se sentiam como bem desejavam...
Lai Paiva