segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

O erro



Eu que sou o erro!
Carrego em meu cerne o mal.
Sou eu o próprio mal.
A eternidade do que carrego comigo
é minha maldição de testemunha eterna.

Tantas coisas já vistas...
Mentira, mentira! Mil vezes mentira!
Não somente presenciei: fui e sou eu o agente de toda a desgraça.

Por exemplo...
dizem ter sido Nero o incendiário de Roma.
Confesso: o inocente Nero não foi páreo para a minha sede de fogo...
Eu fiz aquela gente arder!
E, se Lutero reformava, eu levava o fogo da rivalidade para hoje a Irlanda tremer.
Eu que faço maldita a Terra Santa, prometida aos povos de Israel e Ismael.
Ainda ali, dei o primeiro grito por Barrabás.
Na China, marchei contra o povo na Praça da Paz.
Da África vieram acorrentados os negros para aqui serem maltratados... quem os trouxe, senão eu?

Quando Hitler, na prisão, se preparava para tomar toda a Europa,
na velha bota era eu que gerava o vinho no copo de il duce Mussolini
e, quando os europeus decidiram fazer a América,
criei para eles belas redes de fast food e altas torres que alimentaram o orgulho –
hoje, mais do que nunca, entulho...

Também, como deve sempre ser, eu disseminei o vírus mortal
que nos 80 fez tremer a voraz conduta sexual.
Como se não bastasse,
sou eu o responsável pelo subterrâneo marketing da sensualidade
que se espalha mundo afora.
Agora não escapam da minha armadilha...

Enfim, não há maior mal que eu tenha perpetrado.
Esqueci-me do amor por todas as minhas vítimas:
Os miseráveis da África, da Ásia, da América... pior que uma latrina!
Amor por um planeta agora claustrofóbico,
cheio de tanta gente pior que vocês, que estão aqui.
Porque vocês comem, bebem, fazem amor, coçam o saco...
Há gente que eu privei de tudo isso!
Amor por um planeta agora melancólico...
Amor, este termo tão utópico...

Esqueci.

E não me sinto nada mal com isso!

Alessandro de Paula
@palavratomica

2 comentários:

Leonardo Valesi Valente disse...

Travessia da história e o fôlego do humano na discrepância de um monstro, esse que temenos no outro e reaponta para nós mesmos.

Alessandro disse...

Ai ai... este ser humano, essa coletividade que está sempre a criar novos monstros, alguns menores, que só fazem mal a si próprios; outros maiores, capazes de arrastar todo um povo numa cruzada equivocada e sanguinolenta; e outros intermediários, do dia após dia, que vai sufocando lentamente.

E você soube enxergar bem isto no meu poema, agora seu e de todos, Leo. Abraço! :)